Critical Watcher

Ele foi ao banheiro com o intuito de tirar todo o peso que o dia lhe propiciara. Despiu-se rapidamente defronte aquele espelho ameaçador, que parecia querer dizer algo. E ficou minutos ali parado, observando a sua imagem estática. Parecia estar em um sono hibernal, pois nem mesmo o telefone que tocava lá fora desprendia sua atenção.

O seu reflexo, ainda que imutável, deixava transparecer que existia um outro ser por trás daquela superfície lisa e polida. Os minutos pareciam correr e ele já não mais sentia o seu corpo; estava como que em hipnose, na mais pura leveza espiritual. Uma hora já se passara e nenhuma inconstância estava ocorrendo. O único ponto material que causava perturbações naquele ambiente era o telefone que não parava de tocar. No entanto, para ele, de nada adiantava aquele som. Ele nem mesmo o ouvia.

Seu coração batia levemente e sua respiração estava tranqüila. Já seus braços estavam rigidamente parados, denunciando uma liberdade extraordinária. Sua aparência era serena e encantadora, iludindo quaisquer espectadores que ali fossem colocados. No entanto, algo estava completamente fora do normal: sua pupila dilatada e em fase de ressecamento denunciava o perigo que havia por trás de toda aquela situação. Ele já não mais enxergava nada, mas a sua imagem ainda estava suspensa em sua imaginação. Começou a sentir uma dor intensa por todo o corpo, explicada talvez pela sinergia de seus órgãos, que tentavam a todo custo acordá-lo daquele estado de transe.

Numerosos comandos eram enviados pelo Sistema Nervoso Central até as articulações daquele ser, que incrivelmente não respondia a nenhuma dessas tentativas. O seu sangue já não mais circulava por todo o corpo e seus pés estavam roxos e inchados. Sua temperatura chegava aos 39,5°C, subindo rapidamente a cada segundo que era contado. Após 2h e 11 minutos, seu corpo desabou sobre aquele chão gélido de seu banheiro. O choque lhe propiciara uma fratura no crânio de sangramentos intensos, e não havia ninguém naquela casa que pudesse socorrê-lo.

O telefone continuava a tocar incessantemente, até que a pessoa que estava na outra linha decide deixar a mensagem na secretaria eletrônica: - Amor, acorde! Precisamos conversar o quanto antes. Já são 10h da manhã e você ainda dormindo! Olha, os preparativos de nosso casamento já foram aprontados e os convites estão quase prontos para serem enviados aos nossos parentes e amigos. Só falta irmos até a Igreja para falar com o padre e marcarmos o dia... Estou à sua espera. Um beijo, te amo!

[O homem desperta-se, com o som de sua noiva ao telefone, daquele pesadelo terrível e sai correndo em direção ao banheiro. Ainda precisava tomar um banho e ir ao encontro de sua amada. Olhando para o espelho, faz ar de riso e sozinho diz: - Meu Deus, quanta bobagem!]

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Olá meus amigos blogueiros. Recebi dois novos selos do Filipe, dono do espaço "O mundo de sofisma". Esse rapaz, um excelente escritor, tem habilidades indescrítiveis no quesito sensibilidade... Já sou fã do mesmo. Visitem-no.










E aqui indico os 5 blogs que mais visito e que não possuem os selos acima:

Quintal de Cores
, da Juliana Caribé.
Segundas Intenções, d[A bem intencionada].
Uniproibida, da A.C.
Sede Devaneios, da Pequena Gi.
Imaginação de um Nobre, do Epígono.

Obrigado pelos selos, Filipe.
Parabéns a todos.
22 Responses
  1. [P] Says:

    Ao invés do telefonema, eu estaria batendo na porta da casa dele, primeiro delicadamente e, depois, tomada por súbita impaciência, aos berros, provavelmente. Quem sabe também arrumasse um jeito de derrubá-la e, assim, chegaria até ele e o envolveria em meus braços, juntamente com o meu beijo mais apaixonado [sim, meu sobrenome é Impulsiva]. Mas pense bem, Vicente... isso pouparia o moço de todo aquele sofrimento.

    Viu? Eu sou uma boa moça, no final das contas :)

    E brigada pelos selos [você está me acostumando mal com esse negócio de ganhar as coisas, menino].

    =*****


  2. [P] Says:

    Você estava lá enquanto eu estava aqui, lendo seu texto? Não sei se chamo isso de "sincronia" ou "desencontro".

    Olhe pra porta de novo, quem sabe... :)


  3. Renato Ziggy Says:

    Vicente, eu tive uma espécie de estranhamento/distanciamento quando li seu texto. Muito interessante isso!

    Só pra vc entender melhor, distanciamento/estranhamento é um recurso que era utilizado pelo teatrólogo alemão Bertolt Brecht em seu teatro dialético. Brecht queria conduzir o público ao pensamento distanciado, isto é, crítico.

    Para que isso acontecesse, primeiro o público deveria se identificar com as personagens, a fábula etc, ou seja, passava pelo subjetivo, pela emoção, como somos absorvidos quando assistimos a um filme ou lemos um livro de romance de que gostamos muito.

    Através dos recursos de distanciamento (a QUEBRA é um deles), Brecht "tirava" o espectador desse lugar da emoção e o conduzia a esse "local" em que o sujeito se distanciava do fato e o analizava criticamente.

    Seu texto fez exatamente isso comigo, causou-me um extramento/distanciamento absurdo... Bem, agora vou explicar o porquê:

    Primeiro, você começa falando sobre a personagem, descrevendo de maneira tão rica e realista cada detalhe do que se passava com a personagem, o corpo dela, as sensações físicas que ficam nítidas. Mas é tudo feito com cautela, as palavras possuíam uma coerência interna (no sentido de campo semântico e atmosfera).

    De repente, cara, você vem com os termos "Sistema Nervoso Central", articulação etc e começa a descrever a situação de uma forma mais técnica. Particularmente, acho que isso faz perder um pouco a riqueza dos detalhes, dados de forma sutil, leve, em a necessidade dos termos técnicos, que me conduziram ao distanciamento.

    Ainda assim, você prossegue na sua narração descritiva e do nada, "Pluft!", o sonho se acaba, é interrompido. Essa quebra é muito interessante, súbita, e traduz exatamente asensação que temos quando acordamos de um sonho, principalmente se é um telefone que toca ou se é a voz de outrem.

    O final foi rápido, deixando clara a diferença entre o plano do real e do onírico. Mas sei lá, passou a impressão de que você estava com pressa pra terminar a história.

    Pra concluir, achei seu texto muito rico, ainda que tenha passado pelo distanciamento/estranhamento (isso não é ruim, pelo contrário), mas a sensação de estranhamento eu achei estranha. HUAUAHUAHUHUAA! Os blogs tendem a ser sempre tão intimistas, subjetivos demais, "selfistas"... Enfim, pirei aqui. Só quis te falar de forma mais detalhada sobre minha leitura. Abraço! Você vai longe...
    Renato Avelar


  4. Renato Ziggy Says:

    *estranhamento, e não "extramento". ahauauhaha!


  5. Renato Ziggy Says:

    Vicente, obrigado pela visita! Aê, promete que não vai me achar um abusado? Sei lá, eu só tô querendo aprender com tudo isso...


  6. Unknown Says:

    Ain, que pesadelo horrível! E tem algum que não seja horrível? Hahahaha... Eu tenho medo deles. Como o rapaz no sonho disse no final, pode ser bobagem, mas eu tenho medo, hein!

    Hey! Então eu posso colocar os dois selos no meu blog? oO Que honra receber isso de um futuro escritor e químico do petróleo! Hahahahhaa... Desculpe-me a expressão: QUE FODÁSTICO!

    =P

    Thanks for coming by A Nobre's Imagination! I hold that you leave this planet and go a head to another place. You'll like! Believe!

    =]

    Abração, Critical Watcher!


  7. Says:

    Quem nunca teve um pesadelo como esse? Mto bem escrito, mocinho. Vc tem futuro. :)

    Bjs pra vc, moço.


  8. Says:

    Qto ao teu comentário no último post... se apaixonar é sempre um risco que se corre. às vezes, só às vezes vale a pena.


  9. Isso prova que precisamos de um sentido pra vida; hora de fazer uma análise: por quem tenho vivido, por quem eu morreria, por quem eu continuaria vivendo...

    gostei bastante do texto. muito bem escrito e cheio de recursos.

    prazer em lê-lo!


  10. O casamento é um passo largo que se dá na vida.
    certamente, causa uma tensão que vem com pesadelos, frios na bariiga e etc.

    Eu fico aflita com pesadelos assim.


  11. Proibida Says:

    Vicente, obrigado mais uma vez pelos selos e tudo o mais... huahuahua E também pelo comentário! Pois é... Essa "tal liberdade" estou aprendendo com você... rsrsrs

    Adoro! Beijos


  12. Paula Says:

    estou lendo "qdo nietzche chorou" da ediouro, de Yalom, I. D. e lá aparecem passagens com descrição de sintomas dos paciente atendidos pelo dr. Breuher...

    tais trechos fazem isso que seu texto fez: nos colocam na cena, as vezes como narrador/observador, outras como personagem.
    os detalhes foram degustados, tempero a tempero.
    adorei. muito bom.
    bjo.


  13. Anônimo Says:

    Vicente, menino lindo!
    Obrigada pelos selos! (tô ficando é convencida...)
    Ainda não li seu post, mas volto para lê-lo e comentá-lo.

    Beijocas.


  14. Chellot Says:

    O pesadelo seria talvez o casamento? Nessas horas ficamos a flor da pele, dizem.
    Gostei dos seus escritos.

    Beijos de Sol e de Lua.


  15. Luana! Says:

    Ai, tu me deixou apavorada agora.
    Estou há duas horas ligando para uma pessoa (dodói), q não me atende!
    Ó, céus!
    Quer me enlouquecer, Vicente??

    O_o

    (rs)

    Beijooooooooo


  16. Pesadelos, pesadelos... não os tinha até uns tempos atrás. Agora, dormir tem sido um desafio. Viver, aliás.

    Você escreve muito bem, moço.

    Beijo meu.

    Ps: Obrigada pelo selo, vou postar os indicados logo mais. :)


  17. Entendi, o pesadelo era por causa do casamento...rsrsrs...brincadeira

    Já tive sonhos estranhos desse tipo, e às vezes é tão ruim pq fica na sua cabeça o dia todo e altera até o seu desempenho no trabalho e nos estudos.

    Abçs!!!

    Tem novidade no Em Linhas... confira!!!!

    ----------------------------------
    http://emlinhas.blogspot.com/

    EM LINHAS...
    Quando as palavras se tornam o nosso mais precioso divã.

    Novo texto: Adolescência
    ----------------------------------


  18. Ni ... Says:

    Viajei em seus textos... muito bom!!! Tenha certeza q vou visitá-lo sempre...


  19. Gi Olmedo Says:

    Fico louca com esse tipo de sonho... desequilibra a gente por todo o dia.
    cada vez mais delicioso seu blog.

    E muiiiiiitooooo obrigada pelo prêmio... vc é sensacional! Ainda hj posto a respeito.

    Beijos... sucesso!


  20. É... espelhos são sempre interessantes... Não gosto muito deles, não gosto de me encarar frente a frente... prefiro olhar para dentro...
    Muito bom o blog, Parabéns pelos selos, merecidíssimos.
    Vou linkar vocêlá no meu blog...


  21. Luana! Says:

    Eu juro, eu juro que lembrei de vir logo aqui comentar, mas achei surpreendente.
    Consegui sim falar c a pessoa. Aliás, ela falou que tava muito mal, eqto eu ligava!

    :-O

    Beijooooo


  22. "deixava transparecer que existia um outro ser por trás daquela superfície lisa e polida..."

    Isso me intriga. Sempre fico a pensar se dentro de nós não existe um outro pedaço que ainda não sobressaiu. Algo que só espera a ocasião exata para explodir.

    Gostei do teu texto. Me pergunto: será que tudo isso por causa do casamento? Tanto sonho, para não se atentar a tal realidade? Rs.

    Incrível descrição, Vicente.
    Ótimo!

    P.S.: Tem uma coisa pra você no blog.

    Beijo.